AGUA 18/06
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REPRODUÇÃO ASSISTIDA O custo de ser mãe aos 40 faz prosperar uma bilionária indústria de reprodução assistida

REPRODUÇÃO ASSISTIDA O custo de ser mãe aos 40 faz prosperar uma bilionária indústria de reprodução assistida
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A crescente demanda por tratamentos de fertilidade provocou um ‘boom’ de clínicas de reprodução assistida que atraem fundos de investimento

Reprodução assistida
É um fenômeno global: em 2023 o mercado alcançará 27,5 bilhões de euros (115,5 bilhões de reais) no mundo. LUIS TINOCO

Aos 30 anos, a probabilidade de uma mulher saudável engravidar é de 20% a cada mês. Aos 40 anos, cai para 5%, segundo dados da Sociedade Espanhola de Fertilidade (SEF). Nesta década vital, no entanto, nascem mais crianças na Espanha do que em qualquer outra (234.662 bebês nasceram no ano passado), uma circunstância que faz florescer o negócio da reprodução assistida.

O fenômeno da fertilidade é global: em 2023 o mercado alcançará 27,5 bilhões de euros (115,5 bilhões de reais) no mundo, com taxas de crescimento anual de 9%, segundo estimativas do Allied Market. Um em cada seis casais tem problemas de fertilidade em algum momento de sua vida reprodutiva, de acordo com a Sociedade Médica de Fertilidade Europeia (ESHRE, na sigla em inglês). As famílias estão sendo construídas mais tarde, o que, em muitos casos, obriga as pessoas a desembolsarem quantias significativas para conceber, isto porque os sistemas de saúde pública não cobrem a maioria dos tratamentos. A necessidade gerou um negócio cujo rastro os fundos de investimento farejaram.

Sete milhões de bebês nasceram por esse procedimento no mundo todo desde o primeiro tratamento in vitro em 1978. Nos Estados Unidos, a chamada ART, tecnologia de reprodução assistida, facilita o nascimento de mais de 50.000 bebês por ano, por meio de 263.000 procedimentos de FIV (fecundação in vitro), estima a Research and Markets. E o mercado potencial cresce com mais de sete milhões de mulheres que retardam a maternidade por circunstâncias profissionais e pessoais a cada ano. Naquele país, cerca de 480 clínicas, mais de 100 bancos de esperma, um número desconhecido de doadoras de óvulos e 1.700 embriologistas competem por um negócio muito lucrativo que, no entanto, ainda está em sua infância, financeiramente falando. Quase não existem empresas listadas em bolsa, a não ser projetos pontuais como o da Jinxin Fertility, que começou no final de junho no mercado de Hong Kong. A rede de reprodução assistida opera nos EUA e na China e tem participação do Warburg Pincus, um grande fundo de capital de risco.

A mesma sucessão de operações corporativas ecoa na Espanha, país que pode ser considerado uma potência mundial na matéria e que lidera o número de tratamentos na Europa, à frente de Estados muito mais populosos, como a Alemanha e a França. O retardamento da maternidade, a escassa cobertura pública e uma legislação permissiva se combinaram em um momento de recuperação econômica, levando à expansão de muitas redes comerciais de serviços médicos. “Isto pode ser uma bolha, como aconteceu com áreas da oftalmologia ou dentistas”, alerta a doutora Marisa López-Teijón, diretora do Institut Marquès, uma das poucas empresas familiares remanescentes. De acordo com um estudo da DBK Informa, as 285 clínicas particulares do país faturaram 467 milhões de euros (1,96 bilhão de reais) no ano passado, quase 5% a mais do que no ano anterior, e uma progressão semelhante é esperada para este ano e para o próximo. Aqui o sucesso é medido em ciclos (esta é a denominação de cada tentativa; um tratamento pode consistir de um, se houver êxito na primeira, ou vários ciclos), e eles são realizados mais do que em qualquer outro Estado na Europa: 140.000, sendo 17, 5% do total, incluindo a Rússia.

“O mercado explodiu nos últimos dez anos”, comenta Jorge López, sócio da Liceo Capital Partners. Em curto espaço de tempo ocorrem anúncios de fusões ou de compras. Sua empresa acaba de assessorar a união, anunciada há poucos dias, de duas clínicas espanholas, a IVF Spain, com presença em Alicante e San Sebastián, e a Procreatec, de Madri. Na semana passada, a empresa alemã Nextclinics, dona do Instituto de Medicina Reprodutiva (Imer), comprou dois bancos espanhóis de esperma e óvulos em Granada e Sevilha. O fundo francês Capzanine e o espanhol Nexxus estão presentes desde o ano passado nas Clínicas EVA. A Sanitas (de propriedade da multinacional britânica BUPA) comprou uma participação majoritária na rede de clínicas de reprodução assistida Ginemed em 2018, com seis unidades na Andaluzia. Os exemplos são numerosos.

López, que foi CEO da Clínica Tambre, descreve um setor “extremamente fragmentado”, com um líder indiscutível, o Instituto Valenciano de Infertilidade (IVI), por um lado, cinco grupos grandes e um extenso número de clínicas menores, “porque o acesso ao negócio tradicionalmente era muito fácil. Um ginecologista com experiência poderia montar uma clínica e havia mais demanda do que oferta“.

Primeiro filho aos 32

De um ponto de vista demográfico, o panorama na Espanha é devastador. As mulheres agora têm 1,25 filho, em média, em comparação com 1,44 há uma década, e a idade média de nascimento de seu primeiro filho aumentou para 32 anos. Os nascimentos caíram quase 30% na Espanha na última década. E, no entanto, o negócio da reprodução assistida cresce e o número de clínicas está aumentando. Em 2006, 107 clínicas públicas e particulares constavam do registro do SEF: o número dobrou em uma década.

“A proporção de pessoas com problemas de esterilidade aumenta por causa da idade”, diz Luis Martínez, presidente do SEF. “A idade média da paciente que recorre às clínicas se situa entre 38 e 40 anos. Se ela tenta o primeiro com 30 ou 32 e isso lhe custa, terá o segundo com 39 ou 40. Há também segundos casais que vêm com mais idade. E ainda as pessoas que estavam esperando uma promoção ou aprovação em concurso e comprar um apartamento. Parecem jovens, mas os ovários têm a idade que elas têm. Martínez acredita que nas consultas ginecológicas as mulheres deveriam ser informadas sobre a queda da fertilidade que ocorre especialmente após os 35 anos de idade. “Mas com cuidado, porque às vezes isso assusta uma faixa de mulheres que não vão ter problemas para engravidar”, acrescenta.

As estatísticas do INE mostram que os nascidos de mulheres com mais de 40 anos representam quase 10% do total. Duas décadas atrás, eram apenas 2%. Em 2018 havia mais mães de 40 anos (12.820) do que de 25 (8.816). Isso fez com que técnicas como a doação de ovos se tornassem cada vez mais comuns nas clínicas espanholas.

A fertilização in vitro é feita com frequência com óvulos de doadoras jovens que recebem cerca de 900 euros (3.780 reais) como compensação. De acordo com a Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia (ESHRE), a metade dos ciclos com ovócitos doados na Europa se efetua na Espanha. A maioria, para pacientes estrangeiras. Nas clínicas do IVI, a doação de óvulos já representa 35% de todos os tratamentos.

IVI, o gigante

O IVI tem mais de 65 clínicas em 11 países e 2.000 funcionários. Desde 2017 se apresenta como o maior grupo do mundo, depois de sua integração com a norte-americana Rmanj. A empresa valenciana realizou 32.500 ciclos no ano passado. De acordo com as contas de 2017 apresentadas no Registro Mercantil, suas vendas alcançaram 210 milhões de euros (882 milhões de reais). O IVI é um corredor que lidera um pelotão de empresas com faturamento que beira 10 a 20 milhões de euros, mas que também se movimentam. A Eugin (75 clínicas em 15 países e 42.000 tratamentos) foi fundada por dois médicos há mais de 20 anos em Barcelona e passou por duas compras: o fundo madrilenho ProA Capital adquiriu a maioria em 2010 e em 2015 passou para as mãos do NMC Saúde, um grupo hospitalar de Abu Dhabi que está listado na Bolsa de Valores de Londres. “Passamos por um tremendo crescimento, estamos em 15 países com uma equipe de 1.500 médicos, embriologistas e outros profissionais” responde por email Eduardo González, CEO para a Europa e América Latina. “A legislação espanhola sobre reprodução assistida permitiu esse desenvolvimento”, explica.

A Ginefiv, que emprega cem pessoas, é outro ator deste grupo (fatura 12 milhões de euros) tocado pela varinha dos fundos de investimento. Desde janeiro, é de propriedade da Investindustrial, o fundo da família Bonomi, proprietário da Port Aventura. “Para nós, representou uma oportunidade, porque proporcionam know-how técnico e apoio financeiro muito importante”, diz Luis Español, seu gerente. Ele explica esse interesse pela trajetória do mercado: “Infelizmente, a maternidade se complica com a idade e temos pacientes cada vez mais velhas. Quando entrei neste negócio a média era de 33 anos e agora estamos em 39″.

Na Eugin reconhecem que seu cliente-padrão é parecido: um casal entre 38 e 40 anos. Como descreve Almudena Moreno, CEO das clínicas IVF, “é um negócio com um mercado relativamente seguro em razão das dinâmicas demográficas. Isso propicia um movimento de consolidação e formação de grupos que muitas vezes vêm de mãos dadas com fundos estrangeiros”. Por isso, agora restam menos opções para uma clínica de tamanho mediano. “Sigo com o meu negócio em desvantagem, fecho, me incorporo a um grupo ou me uno a outro?”, exemplifica Jorge López. “Com a pressão competitiva, faz muito sentido se integrar a uma clínica maior. Os médicos que eram os fundadores se viram foram forçados a entender de marketing, de digital, de finanças … o negócio se sofisticou muitíssimo.” O prêmio em rentabilidade, estima, é alto: entre 25% e 30% (margem de exploração) para os grupos mais organizados.

“Começaram a abrir clínicas em todos os lugares, mas o mercado vai colocar as coisas no lugar”, acredita o ginecologista Ignacio Palomo, proprietário da Clínica Arpa Médica, em Madri. “Claro, já não seremos os quatro clássicos de 20 anos atrás”, pondera.

O fenômeno chegou aos preços, e aí os futuros pais devem dedicar tempo para entender os conceitos médicos e técnicos que explicam as variações de tarifas de uma clínica para outra. As Clínicas EVA, por exemplo, se expandem por meio de franquias em conjunto com os centros de estética Dorsia. Com 60 clínicas, faturam cerca de 10 milhões de euros e se consideram os “democratizadores dos tratamentos”, nas palavras de José Luis Encinas, diretor de operações. “Queremos que todos os tipos de pacientes tenham acesso ao que fazemos. Nossos médicos são eminências, temos laboratórios próprios de alto nível e estamos em uma faixa de preços médios. Não somos os mais caros nem os mais baratos. De low cost, nada.” Até mesmo o líder do setor, o IVI, tem uma segunda linha mais acessível, a Minifiv, que já fatura três milhões de euros.

A Easyfiv, uma das empresas mais baratas, é anunciada como “a esperança de ser mãe por um preço justo”, e neste mês tem uma oferta de tratamento por 2.664 euros, metade do que pode custar em outro centro. O motivo? Não possui laboratório próprio nem sala de cirurgia e afirma eliminar despesas supérfluas. Em todo caso, praticamente a totalidade dos pacotes exclui a dispendiosa conta da farmácia.

Ignacio Mazzanti, presidente da única associação empresarial de clínicas de reprodução assistida (Anacer), que reúne cerca de 20 empresas de pequeno e médio porte, alerta sobre as ofertas muito baratas. “Muitas vezes usam o preço como um gancho ou como publicidade na Internet para atrair as pessoas. E não são low cost, porque são tratamentos compartimentados e se acaba pagando mais do que indo aos centros normais”, afirma. É preciso se certificar se a transferência (a introdução no útero do embrião fertilizado em laboratório), o longo período de cultura (manter os embriões em cultura até o quinto ou o sexto dia antes de transferir) e o uso de incubadoras time-lapse (que permitem verificar o estado dos embriões sem ter de retirá-los da incubadora).

Certamente, o caminho para a concepção é longo e exige raspar o bolso. Eva María Berlal, autora do blog creandounafamilia.net, sabe disso por experiência própria. Entre 37 e 44 anos foi cliente de quatro clínicas para conceber seus três filhos. “Passei por cinco inseminações, cinco FIV, três doações de óvulos e uma doação de embriões. Gastei muitos milhares de euros de uma herança”. Ela avalia o investimento médio nesse processo entre um mínimo de 20.000 e até 50.000 euros porque, diz, “você tem que ter muita sorte para engravidar de primeira”. E não é fácil escolher o centro com critérios objetivos, porque todos parecem semelhantes. “Há um excesso de clínicas e não de qualidade. Sou CEO e também ginecologista, e na Espanha os médicos são muito bons, responsáveis, mas existem aqueles que vivem à base da precariedade do pessoal de saúde”, ataca a diretora do Institut Marquès.

Em um artigo que publicou em seu blog pessoal, López-Teijón analisa que cada vez recebe “mais pacientes com tratamentos de reprodução anteriores mal orientados e mal realizados”. E acrescenta que algumas clínicas “só buscam lucratividade a muito curto prazo”. E lembra que, além dos gastos com pessoal, existem outros itens em que podem ser reduzidos, piorando a qualidade, como instalações, material de saúde, formação, pesquisa e terceirização de serviços (como laboratórios). Domingo Vázquez Lodeiro, médico-chefe da Unidade de Reprodução Humana Assistida no Hospital Vithas, em Vigo, insiste: “Todas as clínicas não oferecem o mesmo”, acredita, como análises genéticas, biólogos especializados em cada técnica e tratamentos complementares. Para além dessa competição comercial, o que é verdade é que a Espanha se tornou um destino para muitas estrangeiras por várias razões.

Ao contrário dos países anglo-saxões, aqui impera o anonimato obrigatório dos doadores de sêmen e óvulos, de modo que os descendentes não podem conhecer a identidade de seus pais biológicos nem estabelecer relações com eles na idade adulta. Isso torna as doações muito mais fáceis na Espanha em troca de uma compensação financeira regulada por lei.

Vantagem de 20 anos

Além disso, aqui são realizados tratamentos proibidos em outros países, como método ROPA, uma variante da fecundação in vitro aplicável a mulheres com parceiro do sexo feminino (uma é a mãe genética ao fornecer o óvulo e a outra gesta o bebê). Também não há limitações estritas na aplicação dos ciclos. “Existe um acordo e uma visão comum na Sociedade Espanhola de Fertilidade que não considera apropriado aplicar ciclos em pessoas com mais de 50 anos. É uma recomendação, porque pode haver pacientes de 40 anos que também não recomendamos. A nossa legislação foi a mais progressista e a mais antiga, temos 20 anos de vantagem em relação a muitos países”, resume Almudena Moreno, da IVF Life.

A regulamentação espanhola facilitou a chegada de pacientes internacionais e as clínicas se adaptaram a esse cenário, contratando intérpretes e pessoal de saúde que fala várias línguas. Em algumas delas, principalmente na Catalunha, mais da metade da atividade é dedicada às pacientes estrangeiras.

“A lei espanhola deu uma grande vantagem competitiva que se traduz no fato de estarmos na vanguarda em termos de tecnologia”, diz Jorge Barios, diretor comercial da HM, que tem seis clínicas de reprodução assistida na Espanha. “A vantagem também permite nos adaptarmos rapidamente às mudanças regulatórias internacionais. Quando a Itália mudou sua lei para permitir a doação de óvulos, os centros espanhóis que recebiam pacientes aqui decidiram abrir filiais lá”, acrescenta. Foi o que fizeram, por exemplo, o IVI e o Institut Marquès. Em 2018, os pacientes estrangeiros representaram 24% do total atendido pelas clínicas do IVI na Espanha. “Recebemos pacientes de todo o mundo, mas principalmente da França, Itália, Alemanha e Reino Unido”, segundo Agustín Ballesteros, diretor do IVI Barcelona

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