As mulheres trans torturadas pela ditadura na Argentina
“Nos anos da ditadura, não existiam leis para as mulheres trans. Para o Estado, simplesmente não existíamos.”
Julieta González acende seu terceiro cigarro desde o início da conversa. Ela pede permissão para fazê-lo, mesmo que estejamos falando ao telefone.
No intervalo, ele conta que é uma tarde cinzenta, mas sem chuva, perto de sua casa, localizada no município de Tigre, cerca de 30 quilômetros ao norte de Buenos Aires, capital argentina.
González diz que adora fumar. É possível perceber pela sua voz, grossa, rouca, pedregosa por causa da fumaça que entrou em seus pulmões.
Essa mesma voz foi usada este ano para narrar, perante um tribunal de justiça argentino – em um acontecimento sem precedentes -, como durante o último regime militar que governou a Argentina de 1976 a 1983 ela foi violada e submetida a tortura em um dos centros de detenção clandestinos.
Ela – junto com Carla Fabiana Gutiérrez, Paola Leonor Alagastino, Analía Mártires Velázquez e Marcela Daniela Viegas Pedro – tornou-se a primeira mulher trans a testemunhar em um julgamento onde foram retratados os crimes cometidos contra este grupo durante o governo militar.
Embora as violações cometidas contra travestis e pessoas trans sejam conhecidas há mais de 45 anos, só há cerca de quatro anos começaram os processos para que seus depoimentos fossem incluídos nos diversos julgamentos realizados contra os ex-repressores.
“(No passado) não existiam leis para as mulheres trans, como agora. Basicamente nós não existíamos, então nosso testemunho também não era válido”, explica González.