AGUA 18/06
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COLAPSO “Agrossuicídio”: desmatamento pode inviabilizar o próprio agronegócio, reforça Nature

COLAPSO “Agrossuicídio”: desmatamento pode inviabilizar o próprio agronegócio, reforça Nature
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Revista científica alerta para contradição do modelo adotado no Brasil, que impulsiona mudanças climáticas sob a bandeira do negacionismo climático

Um estudo publicado na revista Nature Sustainability alerta para o futuro do agronegócio no Brasil, especialmente na região Centro-Oeste. De acordo com a pesquisa, realizada em parceria pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e o centro de pesquisa Woodwell Climate Research, o desmatamento desenfreado no Cerrado, por exemplo, pode inviabilizar economicamente a atividade agrícola.

Nos últimos 20 anos, o Cerrado perdeu 32 milhões de hectares de vegetação nativa, enquanto a área agrícola dobrou. Essa perda acelerada da cobertura vegetal leva à degradação do solo, à escassez hídrica e à perda de biodiversidade, afetando diretamente a produção agrícola a longo prazo. Utilizando dados históricos e imagens de satélite, cientistas, com o auxílio da inteligência artificial, conseguiram isolar o impacto do desmatamento nas mudanças climáticas do Cerrado.

Ao eliminar fatores externos, como os fenômenos El Niño La Niña, a pesquisa concluiu que a destruição da vegetação nativa é o principal motor do aquecimento global na região. “É um agrossuicídio”, alerta Argemiro Teixeira Leite Filho, engenheiro florestal e professor da UFMG. “A relação causa-consequência é praticamente direta”. De acordo com o estudo, “para sustentar a produtividade agrícola no Cerrado, é crucial conservar e restaurar sua vegetação nativa”.

O desmatamento no Cerrado já está causando um efeito dominó na agricultura da região. A redução da cobertura vegetal nativa está diretamente ligada ao aumento da frequência de quebras de safra. Com menos árvores para regular o clima, as chuvas se tornam cada vez mais escassas, colocando em risco a produção de alimentos e a economia local.

“Passou o trator, retirou a vegetação, imediatamente estão sendo alteradas características físicas e [no caso do Cerrado] retirando essa bomba de umidade para a atmosfera”, destacou Leite Filho.

Enquanto áreas do Cerrado com cobertura vegetal nativa experimentaram uma redução de 29,1mm de chuva na primeira safra e 9,2mm na segunda, entre 1999 e 2019, regiões altamente desmatadas — com mais de 80% da vegetação original destruída — sofreram perdas muito mais significativas, de 90,5mm e 109,1mm, respectivamente.

A cada dois anos, as chuvas chegavam em média dez dias mais tarde em áreas do Cerrado com alto índice de desmatamento. Por outro lado, em regiões com no máximo 20% de perda da vegetação nativa, esse atraso não foi observado. “A vegetação nativa do Cerrado tem como característica raízes bastante intensas e profundas. Ela busca a água do lençol freático, retira essa água e a bombeia para a atmosfera”, completou o engenheiro.

Em setembro, uma pesquisa publicada na revista Forest Policy and Economics jogou luz sobre a crença predominante entre produtores de soja: a negação da influência da vegetação na formação de chuvas. Os resultados do estudo indicam que muitos agricultores acreditam que a relação entre floresta e chuva é uma invenção de ambientalistas e não percebem os efeitos climáticos gerados pelo próprio desmatamento.

“É preciso ainda compreender como orientar políticas anti desmatamento eficazes a partir desses dados. Não dá para achar que desmatadores vão ler isso e mudar de comportamento de repente”, destacou o biólogo Mairon Bastos Lima, pesquisador sênior do Instituto Ambiental de Estocolmo, na Suécia, e um dos autores da pesquisa.

“As plantas guardam água. Solo seco, não”.

Mais de 50% do agro depende de chuvas geradas em TI

Outro estudo inédito, realizado por pesquisadores brasileiros, revelou que 80% da área das atividades agropecuárias no país dependem das chuvas geradas em terras indígenas da Amazônia. A pesquisa, divulgada na terça-feira (3), ainda revelou que essa dinâmica foi responsável por 57% da renda total do agronegócio brasileiro.

Como resultado, o estudo apontou que o impacto da preservação das terras indígenas no Brasil vai além do meio ambiente e se destaca como peça-chave para a segurança hídrica, alimentar e econômica do país.  Em 2021, a renda do setor agrícola nas áreas mais beneficiadas pelas chuvas geradas nos territórios indígenas chegou a R$ 338 bilhões.

De acordo com os dados, 18 estados mais o Distrito Federal encontram-se parcial ou totalmente dentro da área de influência dessas terras indígenas amazônicas. Em alguns desses estados, como Acre, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraná, há regiões em que a chuva gerada por esses territórios chega a corresponder a um terço do total anual de chuva de cada local. No geral, até 30% da chuva média que cai sobre as terras agropecuárias do país está diretamente relacionada à eficiente reciclagem de água nessas terras indígenas.

O relatório foi conduzido por dez cientistas especialistas em ecologia tropical do Instituto Serrapilheira, a partir do cruzamento e análise de dados, como os do MapBiomas, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

A agricultura e a pecuária são duas das atividades que mais consomem água no país, o que reforça a importância da chuva para esses setores. “O desmatamento e a degradação das florestas nas Terras Indígenas causam a redução dessas chuvas e, com isso, acarretam riscos graves à economia do país”, afirma o hidrólogo Caio Mattos, pesquisador de pós-doutorado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e autor do estudo à Serrapilheira. “Isso significa que a conservação dessas florestas é crucial para garantir a cadeia produtiva do setor agropecuário e, portanto, a produção de uma significativa parcela da economia nacional”, completa.

O estudo ainda mostra que as chuvas geradas por essas TIs contribuem diretamente para a segurança alimentar nacional, já que a participação da agricultura familiar no valor da produção total chega a corresponder a mais de 50%  em vários estados influenciados, e grande parte da produção desses pequenos produtores é destinada, justamente, ao mercado interno.

Revista Forum

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