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Justiça Militar arquiva, após 61 anos, ação da ditadura contra nove chineses presos e torturados em 1964

Justiça Militar arquiva, após 61 anos, ação da ditadura contra nove chineses presos e torturados em 1964
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STM reconhece prescrição e encerra processo que permaneceu ativo desde o golpe de 1964

A Justiça Militar colocou fim a um dos processos mais longos da história brasileira ao determinar o arquivamento da ação que perseguiu nove cidadãos chineses presos logo após o golpe civil-militar de sexta-feira (3 de abril de 1964). A decisão encerra oficialmente um caso marcado por torturas, acusações sem fundamento e mais de seis décadas de inércia judicial.

 

Segundo reportagem publicada por O Globo, o Superior Tribunal Militar (STM) reconheceu que a ação estava prescrita desde 1981, mas permaneceu ativa por 21.930 dias, atravessando todo o período autoritário e mais de 40 anos de democracia.

Prisões sem acusação e violência no Dops

Os nove chineses foram detidos ainda nas primeiras horas do golpe, quando agentes da polícia do então governador da Guanabara, Carlos Lacerda, os prenderam sem qualquer acusação formal. O grupo — formado por dois jornalistas da agência estatal Xinhua e sete integrantes de missões comerciais — foi levado à sede do Dops, onde sofreu espancamentos, coronhadas, golpes de cassetete e ameaças de fuzilamento.

Mesmo sem provas, o regime alegou que os estrangeiros obedeciam ordens de Pequim e planejavam implantar um movimento maoísta no Brasil — narrativa típica da paranoia anticomunista que sustentou a repressão naquele período.

Denúncia frágil e condenação sob convicções ideológicas

Dez dias após as prisões, instaurou-se um inquérito policial militar. Em agosto de 1964, o Ministério Público Militar apresentou denúncia por supostos “crimes contra a segurança nacional”. Os jornalistas foram acusados de produzir matérias sobre “agitações das massas”, “antagonismos classistas” e “aspectos da miséria” brasileira. Já os membros das missões comerciais foram apontados como agentes secretos.

O texto da denúncia descrevia que os chineses supostamente se valiam de “táticas […] a fim de obterem informes de toda a sorte para fins de espionagem […] e implantarem a revolução das massas”. Embora carente de provas, o tribunal militar condenou todos a dez anos de prisão, admitindo na própria sentença que os indícios, tomados isoladamente, “não teriam maior expressão”, mas, no conjunto, formariam um “encadeamento perfeito […] da culpabilidade”. Os réus foram ainda acusados de tramar “a sinistra tentativa de subversão da nossa democracia cristã e liberal”.

Expulsão, morosidade judicial e impacto diplomático

No início de 1965, o advogado Sobral Pinto apelou ao então presidente Castello Branco por um indulto. O governo recusou e optou por expulsar os estrangeiros. O recurso que pedia a anulação da condenação ficou paralisado no STM por mais de 60 anos, acumulando 50 volumes, 133 apensos e 18 anexos.

O episódio atrasou em cerca de uma década o restabelecimento pleno das relações diplomáticas entre Brasil e China, tornando-se um símbolo de como a ditadura militar violou direitos humanos e deteriorou a imagem do país no exterior.

Recordações da violência e o fim tardio do processo

A história foi detalhada no livro O caso dos nove chineses, de Ciça Guedes e Murilo Fiuza de Melo. Em entrevista aos autores, o jornalista Ju Qingdong, hoje com 95 anos e único sobrevivente do grupo, relembrou as sessões de tortura, mencionando “coronhadas”, “golpes de cassetete” e “ameaças de fuzilamento”.

O processo só avançou quando o ex-deputado João Vicente Goulart, filho do presidente deposto, apresentou um requerimento pedindo o reconhecimento da prescrição. Na terça-feira (23), o STM enfim acolheu o pedido e determinou o arquivamento da ação, decisão publicada discretamente há 11 dias.

 

BRASIL247

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